Home Ciência Refrigerantes causam ou não causam diabetes? Depende de quem paga pelo estudo

Refrigerantes causam ou não causam diabetes? Depende de quem paga pelo estudo

Polêmica: resultados de estudos científicos sobre refris, obesidade e diabetes são bem diferentes dependendo de quem os financia.

RESUMO: estudo mostra que, quando a indústria alimentícia financia pesquisas científicas, nenhuma relação é encontrada entre consumir refrigerantes e o aumento no número de casos de obesidade ou diabetes tipo 2. Quando as pesquisas não recebem financiamento da indústria, abundam evidências de que beber refrigerante traz malefícios à saúde.

 

Às vezes, lemos notícias dizendo que “cientistas provaram que comer ‘X’ faz mal”. Depois, sai uma nova notícia, de outro grupo de pesquisas, mostrando que comer ‘X’, na verdade, faz bem para a saúde. Em quem acreditar?

[pullquote]”Parece que a indústria [alimentícia] está usando o método científico para plantar dúvidas com relação à verdade sobre seus produtos” — Dean Schillinger[/pullquote]

A Ciência tem dessas ‘incoerências’, mesmo. Trata-se de algo natural. Afinal, a Ciência não lida com certezas férreas, imutáveis. Tudo está à mercê da análise correta dos dados. Dependendo de quais dados os cientistas analisam, de como eles foram obtidos e do que concluem a partir dessas informações, as recomendações podem ser bastante diferentes, de fato. Precisamos nos ater à qualidade dos experimentos e sermos tão críticos na hora de receber estas informações quanto os cientistas deveriam ser na hora de gerar suas conclusões.

Mas parece que há um tipo de pesquisa científica mais ‘maleável’, com resultados que variam radicalmente de acordo com quem está pagando pelo estudo.

 

AFINAL, BEBER REFRIGERANTES FAZ MAL À SAÚDE?

 Publicado na última edição do respeitado periódico científico Annals of Internal Medicine, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Francisco, nos Estados Unidos, comparou os resultados de 60 trabalhos científicos anteriores sobre a correlação entre o consumo de refrigerantes e a incidência de obesidade e de diabetes.

De maneira interessante, os pesquisadores checaram quem pagou pelas pesquisas: se foram feitas com fundos públicos, privados ou – mais especificamente – se os pesquisadores foram pagos pela indústria de bebidas açucaradas.

Pesquisas sobre influência dos alimentos na saúde tiveram resultados bem diferentes dependendo de quem as patrocinou.

A conclusão é categórica. Dos 60 estudos analisados, 26 foram pagos pela indústria alimentícia (ou os cientistas envolvidos tinham relações financeiras com ela). Nenhum desses estudos encontrou correlação entre o consumo de refris e o diabetes ou a obesidade.

Dos 60, 34 não foram pagos pela indústria de refrigerantes. Desses, 33 encontraram associação entre beber refrigerantes e aumentar os riscos de obesidade e diabetes. A mensagem não poderia ser mais clara.

 

CIENTISTA APONTA FRAUDE NAS PESQUISAS PATROCINADAS

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O médico e pesquisador Dean Schillinger, autor do estudo. Imagem: USF

“Parece que a indústria [alimentícia] está usando o método científico para plantar dúvidas com relação à verdade sobre seus produtos”, afirmou Dean Schillinger, médico, professor de Medicina e principal autor do estudo.

Em entrevistas à imprensa, Dean explicou que a análise que sua equipe realizou comparou apenas os resultados de estudos similares uns aos outros, por isso as conclusões são impactantes. Todos os 60 estudos foram realizados apenas com seres humanos (nada de resultados com animais de laboratório) nos últimos 15 anos e comparou diretamente a saúde de quem costumava beber refrigerantes com frequência e quem não tinha esse hábito.

 

A INDÚSTRIA DOS REFRIGERANTES REBATE O ESTUDO – E QUESTIONA O CARÁTER DO CIENTISTA

A indústria de bebidas açucaradas – representada pela ABA, a American Beverage Association – não deixou barato e rapidamente questionou a confiabilidade tanto do estudo quanto do pesquisador que o realizou.

logo-american-beverage-associationEm nota divulgada à imprensa (leia versão completa abaixo), a ABA afirma ser ‘irônico’ que o médico Dean Schillinger esteja falando de ‘manipulação’.

“É irônico que ele [Dean] escreva sobre viés em pesquisas científicas se ele mesmo não é, claramente, um pesquisador imparcial“, afirmou a associação.

A ABA se refere ao fato de que Dean foi pago para servir como ‘expert’ em uma ação judicial da cidade de São Francisco sobre a colocação de advertências em outdoors com propagandas de refris. Isso mostraria que o médico tem uma visão “anti-refrigerantes”, e que foi pago para defendê-la. Exatamente o mesmo que está acusando a ABA de fazer, só que jogando ‘para o outro time’.

 

BURBURINHO COM CONSEQUÊNCIAS SÉRIAS PARA A SAÚDE

Enquanto o bate-boca continua nos Estados Unidos, o importante é saber o que isso tem de importância para nossa saúde.

A história mostra o quanto precisamos tomar cuidado com o que é divulgado na mídia. E que dados científicos sobre a saúde humana – os quais são muitas vezes utilizados para definir políticas públicas de saúde – precisam ser analisados com todo o cuidado.

Beber cinco refrigerantes por dia causa diabetes? Se você fizer uma pesquisa com a população geral dos EUA e perguntar o que o povo sabe ou acredita sobre esse assunto, verá que existe uma tremenda variação de opiniões”, explicou Dean. Tomar cinco refrigerantes diariamente pode parecer um exagero, mas Dean argumenta que esta é a média entre adolescentes no estado norte-americano de West Virginia.

Ou seja, o cientista defende que a população está mal informada – por isso mesmo os índices de obesidade e diabetes só aumentam (veja no quadro a seguir).

Mesmo que exista manipulação nos resultados de algumas pesquisas, isso não invalida o trabalho geral dos cientistas. Afinal, os avanços nas áreas da Medicina e da Nutrição são óbvios para qualquer um. Quando o assunto é polêmico, todavia – como é o caso do ‘efeito’ dos refrigerantes no organismo –, vale a pena manter o espírito crítico ligado.

 

QUAL A LIGAÇÃO EXATA ENTRE REFRIGERANTES, OBESIDADE E DIABETES?

copo suado refrigerante

Toda o bafafá com relação aos resultados do estudo do Dr. Dean tem motivo. O mundo vive uma terrível epidemia de obesidade e de excesso de peso. A cada ano que passa, mais e mais pessoas se encontram acima do peso, o que comprovadamente aumenta os riscos para uma série de doenças perigosíssimas. O diabetes tipo 2 é uma delas. Doenças cardiovasculares são outra consequência trágica, provocando milhões de mortes todos os anos.

Diversos estudos tentam entender quais são as causas por trás desse aumento de peso global. Sedentarismo e maus hábitos alimentares são, é claro, os principais motivos. Porém, as bebidas açucaradas (chás industrializados, sucos e especialmente refrigerantes) são vistas como as grandes vilãs do peso. Elas costumam ser gostosas, recebem investimentos pesadíssimos de marketing e … contêm quantidades assustadoras de açúcar. O povo as toma sem pudor, todos os dias, aumentando muito a quantidade de açúcar no sangue. Nenhum organismo aguenta esse excesso de calorias por muito tempo.

indice-de-obesidade-global-em-2015
Índice global de obesidade em 2015 – veja que o Brasil aparece com cerca de 15% da população obesa (os últimos dados no Ministério da Saúde já falam em 18%)

Por isso, há diversas estratégias sendo estudadas. Vale a pena aumentar os impostos sobre as bebidas açucaradas? Proibir a venda de tamanhos grandes de refrigerantes? Ou precisamos, isso sim, ampliar as campanhas de conscientização? O assunto é polêmico e mexe com o interesse de muita gente. Por isso, estudos como o discutido nesta matéria tem o potencial de inflamar ânimos e causar grandes debates públicos.

 

LEIA A RESPOSTA COMPLETA DA ASSOCIAÇÃO DE FABRICANTES DE BEBIDAS (ABA) DOS EUA:

‘As empresas fabricantes de bebidas dos EUA estão engajadas em questões de saúde pública pois nós, também, queremos uma América mais forte e saudável. Nós temos uma longa tradição de auxiliar organizações comunitárias em todo o país. Como esse estudo mostra, algumas destas organizações focam em fortalecer a saúde pública, o que nós temos orgulho de apoiar. 

Nós estamos fazemos a diferença voluntariamente, por meio de ações que reduzem as calorias e o açúcar nas bebidas[…]. Por meio destes esforços, trabalhamos junto a grupos proeminentes de saúde pública na questão de como ajudar as pessoas a moderar [a ingestão] de calorias, no que é o maior esforço voluntário dentre todas as indústrias a fim de discutir [o problema da] obesidade. 

Sim, nós podemos discordar com algumas pessoas na comunidade de saúde pública em assuntos como impostos e legislações discriminatórias e regressivas impostas aos nossos produtos. Porém, nós acreditamos que nossas ações em comunidades e nos mercados estão contribuindo para resolver este problema complexo que é a obesidade. Nós temos o direito e a necessidade de nos associarmos a organizações que fortaleçam nossas comunidades’.

 

[accordions] [accordion title=”PARA MAIS INFORMAÇÕES:” load=”hide”]ARTIGO CIENTÍFICO – Do Sugar-Sweetened Beverages Cause Obesity and Diabetes? Industry and the Manufacture of Scientific Controversy. Ann Intern Med. 2016.
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1 comentário

  1. Com tanto açúcar na bebida, é difícil acreditar que não cause males à saúde e ajude no ganho de peso.

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