Carlos Monteiro explica o marketing por trás da história do garotinho que recebeu o “primeiro pâncreas artificial”, muito comentada nas redes sociais.

Imagem: Reuters
Por Carlão Monteiro Diabético, colunista do Diabeticool
Semana passada, vi muita gente nas redes sociais compartilhando a foto acima. A imagem era acompanhada por legendas que afirmavam que o garotinho havido sido o primeiro no mundo a receber um pâncreas artificial.
Ué – eu me perguntei -, estamos em 2015 mesmo ou estou delirando? Eu já não tinha visto dezenas de pessoas receberem pâncreas artificiais nos últimos anos? Será que o pessoal estava compartilhando notícia antiga?
Pesquisando sobre o assunto, descobri que a história do “primeiro pâncreas artificial do mundo” nada mais é do que um exemplo do que de pior há quando o assunto é divulgação de informações sobre diabetes.
PARA QUEM NÃO VIU…

O “novo” pâncreas artificial tem o tamanho de um tocador antigo de MP3 e é usado externamente.
Xavier Hames, diabético tipo 1 de 4 anos de idade, morador da Austrália, recebeu um dispositivo eletrônico e automático de injeções de insulina. O aparelho, do tamanho de um MP3 player, trabalha com um sensor e tubinhos plásticos inseridos sob a pele. A partir deles, um computador presente no aparelho monitora os níveis de açúcar no sangue e envia insulina ao corpo conforme necessário. Evita-se, assim, as injeções cotidianas de insulina. O equipamento funciona com bateria e dura 4 anos; depois disso, precisa ser reinstalado no corpo.
UMA “PRIMEIRA VEZ” QUE JÁ ACONTECEU
Ora, é claro que já existem sistemas como esse em uso. O Diabeticool noticiou aqui, aqui e aqui. Pâncreas artificiais não são novidade, de jeito nenhum. Apesar de ser ótimo saber que o menino Xavier agora poderá ter um controle muito mais fácil da glicemia, é importante também ressaltar que não há grandes novidades nisso – tais sistemas eletrônicos já existem.
Então por que a novidade foi propagandeada como o “primeiro pâncreas artificial”?
A resposta é simples: preguiça jornalística. O hospital australiano que realizou a instalação do pâncreas artificial no menino vendeu a idéia de que era “o primeiro” do mundo apenas para gerar oba-oba sobre o novo produto. O que faltou falar foi o seguinte: foi a primeira vez que uma pessoa no mundo recebeu aquele modelo específico de pâncreas artificial.
De novidade, o pâncreas eletrônico do hospital australiano consegue acusar episódios de hipoglicemia antes que eles ocorram. Assim, o aparelho deixa de fornecer insulina por um tempo, até que o organismo se estabilize. Isto promete trazer mais tranqüilidade aos pais de diabéticos tipo 1, que muitas vezes acordam no meio da noite para checar se seus filhos estão bem.

O garotinho Xavier comemora sua nova aquisição: uma mão na roda na hora de cuidar do diabetes, mas com poucas novidades frente ao que já existe.
JORNALISMO PREGUIÇOSO EXPLICA
Você compartilharia uma notícia cuja chamada era: “Garoto de 4 anos é o primeiro a receber novo modelo de pâncreas artificial de hospital australiano”? Provavelmente não, não é mesmo? Pois esta é a verdade. Pâncreas artificiais já existem faz tempo. O novo modelo traz, de fato, uma novidade importante, mas isto não justifica chamá-lo de “primeiro no mundo”.
O tino comercial do hospital, ampliando o marketing sobre seu novo produto (que deve custar dez mil dólares aos consumidores!), aliado a jornalistas sensacionalistas que apenas papagueiam comunicados de imprensa e não pesquisam sobre o que falam, acaba criando confusão e desinformação. Reitero: foi super legal que o menininho recebeu um pâncreas eletrônico – mas não precisava mentir sobre o assunto, né? Para saber realmente o que está acontecendo no mundo do diabetes, confie em portais de respeito e renome, como o Diabeticool, formado por quem realmente entende da doença e que pesquisa profundamente os assuntos antes de publicá-los (é o que eu tento fazer…!!).
Um abraço, pessoal (e feliz 2015!)!!
