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A incrível história genética do diabetes americano

Estudo do cocô fossilizado de índios antigos muda a cabeça dos cientistas sobre o porquê deste grupo ser tão propenso a ter diabetes.

 

Já é sabido que boa parte das chances de se desenvolver diabetes no futuro está relacionada à genética. Só como exemplo, caso o pai e a mãe de uma criança tenham diabetes tipo 2, as chances do filho também ser diabético são de 75%! Portanto, se nosso genes influenciam tanto assim no diabetes, não é de se estranhar que certos grupos sejam mais propensos a desenvolver a condição. Os índios, tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos, são especialmente susceptíveis ao diabetes, compondo um dos grupos com maiores taxas de prevalência da doença. Como comparação, índios são duas vezes mais propensos a ter diabetes do que pessoas brancas.

A grande questão é por que isto acontece. O que teria acontecido na história evolutiva dos nativos americanos para que esta tendência preocupante surgisse?

Cientistas e antropólogos formularam teorias. A mais bem aceita até hoje era a seguinte: diferente dos dias de hoje, quando é muito fácil e barato encontrar alimentos riquíssimos em açúcares e gorduras, nas épocas primitivas esse tipo de comida era raríssima. Infelizmente não há supermercado na natureza selvagem, e é preciso caçar e coletar frutos para se alimentar bem. Comidas ricas em nutrientes, açúcares e gorduras são a exceção: é muito mais fácil colher um pequeno fruto, que mal dá para matar a fome, do que caçar um grande, gordo e suculento animal, garantia de barriga cheia por um bom tempo. Desta forma, os cientistas especulam, genes capazes de “guardar” por mais tempo estes raros nutrientes teriam se mantido nas linhagens de índios. A gordura, por exemplo, ingerida após uma boa caçada seria estocada no corpo, devido à ação destes genes, por mais tempo, até que uma outra boa caçada acontecesse. Acontece que, hoje em dia, podemos comer comidas ricas em nutrientes todo dia, e esse “estoque” de energia promovido pelos genes ancestrais gera situações como a obesidade, uma das principais causas de diabetes.

Portanto, genes antigos guardadores de energia + comida moderna cheia de energia = obesidade = maiores chances de diabetes. A teoria parece boa, mas será que é verdadeira?

Foi o que um grupo de pesquisa resolveu descobrir. Formado por pesquisadores da University of Nebraska-Lincoln’s School of Natural Resources, da California State e da brasileiríssima Escola Nacional de Saúde Pública do Rio de Janeiro, o grupo decidiu estudar o melhor material possível a fim de saber o que os antigos índios comiam.

“Deve-se analisar os melhores dados de dieta que podem ser encontrados. E eles vêem dos coprólitos (o termo oficial para fezes fossilizadas). Ao olhar para os coprólitos, estamos diante do que exatamente as pessoas comiam”, garante Karl Reinhard, principal autor do trabalho.

E assim foram os intrépidos cientistas estudar o cocô dos índios que viveram no Arizona, EUA, no local hoje conhecido como Antelope Cave. O que eles descobriram é que a dieta deles basicamente se mantinha igual ao longo do ano. Ou seja, nada de grandes caçadas e banquetes esporádicos. O grosso da alimentação era, invariavelmente,  composto por milho e sementes ricas em fibras de plantas como girassol e amaranto. Cerca de três quartos dos cocôs era composto por fibras insolúveis, e o que compunha o resto eram alimentos muito pouco energéticos.

A partir desses dados, o grupo de pesquisa sugere uma nova explicação para o mistério da alta incidência de diabetes em índios.

O que teria ocorrido, segundo eles, é que  genes que ajudam a estocar gordura e carboidratos de alimentos ricos nestes nutrientes realmente existem nos índios, não porque eles guardavam a energia extra adquirida em grandes refeições esporádicas, mas porque esse tipo de refeição rica em nutrientes nunca existia! Ou seja, os índios antigos estavam tão acostumados a uma dieta pouco energética que toda e qualquer quantidade de gordura e carboidratos era tratada como raridade, e armazenada por estes genes. E isto, assim como a teoria antiga indica, resulta hoje em altas taxas de obesidade e diabetes.

Este interessante estudo foi publicado no periódico científico Current Anthropology, em Julho de 2012.

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